Pesquisa do CTU mostra potencial construtivo do bambu 04/12/2019 - 15:40

O bambu tem grande potencial para substituir a armadura de aço em elementos estruturais das edificações. É o que mostra pesquisa desenvolvida pelo professor Gilberto Carbonari, do Departamento de Estruturas, do Centro de Tecnologia e Urbanismo (CTU). Hoje, em mais de 10 anos de estudos, já é possível indicar que o vegetal pode revolucionar a construção civil.

Quando começou as pesquisas com bambu, o professor Gilberto Carbonari não imaginava os resultados que encontraria, devido à elevada resistência mecânica que o bambu, muito comum no país, apresentaria. A utilização só é possível graças ao tratamento inovador identificado em pesquisas à base de Tanino, um produto natural, encontrado em sementes e cascas de árvores, que fornece mais durabilidade à planta. O professor deixa claro que os estudos continuam e precisam ser melhorados para aplicações práticas, não atendendo ainda ao mercado.

Em testes realizados no Laboratório de Estruturas, do CTU, as pesquisas identificaram que o vegetal é eficiente com tesouras (treliças) de coberturas, bem como em estruturas mistas bambu-concreto (lajes e vigas), entre outras. As pesquisas são resultado de vários projetos na linha de pesquisa em bambu, cadastrados na Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PROPPG), além de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em Engenharia Civil e de monografias produzidas na Especialização em Engenharia de Estruturas, todos orientados pelo professor Gilberto. 

As vantagens identificadas na utilização do vegetal apontam para impactos científicos, social, econômico, ambiental e sustentável. "O bambu é um produto que vem da natureza, de produção rápida, custo baixo e que dá leveza para a estrutura", destaca o professor.

Faltam ainda testes com pilar, a parte vertical da construção. Ele conta com entusiasmo que as pesquisas começam no próximo ano. Em seguida, o objetivo é construir uma estrutura de dois pavimentos apenas com concreto e bambu - "com zero aço", propõe o Gilberto. Com essa construção será possível verificar a eficiência também frente à umidade, além de quanto a planta resiste ao ficar exposta no ambiente. 

Potencial - A espécie utilizada na pesquisa é a Dendrocalamus giganteus, retirada de moitas, dentro do Campus Universitário, nas proximidades da sede do Sindicato dos Servidores (Assuel). Ela apresenta uma resistência média à tração de 120 Mega Pascal (MPa), e à compressão de 55 MPa, enquanto que o aço tem 500 MPa. No entanto, na relação de eficiência, em que se compara resistência (à tração ou à compressão) pela densidade, o bambu é mais eficiente que o aço, por ter densidade de aproximadamente dez vezes menor (780 kg/m³), que o aço (7800 kg/m³).

O professor se especializou na planta e conta que nas moitas de bambu, os caules, também chamados de colmos, podem alcançar cerca de 30 metros de altura e, nos primeiros anos de vida, podem crescer até mais de um metro em uma só noite. Hoje, só de olhar a cor do caule ele tem ideia da idade aproximada do vegetal. O aspecto marrom, com casca, por exemplo, é uma planta recém-crescida. E quando está verde, ela tem mais de um ano. O caule bem escuro, coberto com muitos musgos, significa que já é velha, com mais de 10 anos. Segundo Gilberto, o ideal para a construção civil é entre três e oito anos, período em que os colmos apresentam as propriedades ideais de resistência mecânica para uso na construção civil.

Início - A ideia de utilizar bambu veio de uma reportagem que o professor assistiu na televisão em 2009. O pesquisador Marcos Ferreira Scholtz, do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), havia plantado mudas de 12 espécies, trazidas da China, e convidava pesquisadores da região a utilizá-lo em pesquisas. Ele conta que ficou com a ideia em mente, mas num primeiro momento não colocou em prática, até que um dia um aluno da primeira série do curso de Engenharia Civil o procurou, pois já tinha uma bolsa de inclusão social, e precisava estar vinculado a um projeto de pesquisa. Foi a oportunidade que precisava para dar início aos estudos experimentais com a planta.

Como tudo foi baseado em experimento, Gilberto teve que aprender a utilizar o bambu. No primeiro momento, cortaram grande quantidade do Iapar, que foi estocada no Laboratório de Estruturas (CTU). Foi um erro. Em poucos meses, os insetos, especialmente o caruncho, destruíram grande parte do material, e produziu grande quantidade de pó. "Sujou tudo, era difícil até de respirar", lembra o técnico de laboratório, Luis Gustavo Patrocino. As paredes dos colmos ficaram danificadas, o que impossibilitou a utilização para os testes mecânicos. Com isso, buscaram as primeiras ideias para solucionar o problema.

Tanino - É aqui que entra o tanino, que tem origem vegetal. É encontrado em sementes, frutos, e com maior quantidade na casca da árvore Acácia Negra. Gilberto lembrou que existia este produto natural, já utilizado para curtir o couro animal, que poderia ser útil nos testes com bambu. Ele então entrou em contato com uma empresa produtora do material no Rio Grande do Sul, explicou a pesquisa, e ganhou o produto.

O professor explica que os danos ao bambu ocorrem porque o caruncho se alimenta dos açúcares da seiva, presente no interior dos colmos, resultado da condução de xilema e floema. Elas transportam água e substâncias orgânicas para todo o vegetal. A ideia então foi buscar uma forma de retirar a seiva e colocar o tanino no lugar. Para isso, foi utilizado o método Bouchiere, que por meio de uma pressão injeta o composto água+tanino nas paredes dos colmos, retirando e substituindo quase totalmente a seiva.

O resultado? O melhor possível: além do composto água+tanino injetado tornar o bambu quase sem açúcares, ainda apresenta característica adstringente, pois repele naturalmente os insetos, especialmente o caruncho. A diferença é nítida na foto abaixo, que tem amostras de bambus tratados com tanino e não tratados, colhidos na mesma época, em 2013.

As pesquisas mostraram que o tratamento com o preservativo natural deve ser realizado no próprio bambuzal, assim que os colmos são cortados e retirados da moita. Isso porque não é preciso energia elétrica, a injeção é feita pela pressão do compressor do próprio caminhão, que consegue ter acesso ao local. Em apenas uma hora, o processo está completo, para colmos de até 6 metros de comprimento. "O sistema proposto de tratamento é inovador", afirma Gilberto Carbonari, que entrou com pedido de patente, mas, por envolver um produto natural, "criado pela natureza", não foi possível conceder o registro.

Sustentabilidade - Uma das principais vantagens da utilização do bambu é a sustentabilidade. A opinião é de Caio Cesar Veloso Acosta, que colaborou nas pesquisas, como professor temporário. Atualmente no Instituto Federal de Santa Catarina, ele esteve na Universidade e falou sobre o potencial do vegetal.

O técnico de laboratório Luis Gustavo Patrocino entende que as pesquisas com a planta criam um problema para o mercado - no bom sentido - com a possibilidade de ter uma nova forma de construir e pensar a construção civil. "É uma matéria prima pouco utilizada no Brasil. É um material que necessita do solo para se desenvolver e no país encontra potencial para crescer", afirma.

Parcerias - Para desenvolver os projetos, a pesquisa contou ainda com a participação de outros professores da Universidade. Do Departamento de Agronomia, do CCA, atuaram Maurício Ursi Ventura (carunchos) e Marcelo Giovanetti Canteri (fungos); do Departamento de Bioquímica e Biotecnologia, do CCE, André Luiz Martinez de Oliveira (seiva e tanino); e do Departamento de Biologia Animal e Vegetal, do CCB, os professores Renata Stolf Moreira (microscopia eletrônica) e Daniel Rodrigo Moreira (histologia). 

Outras pesquisas com o vegetal são realizadas no país. Algumas delas estão reunidas no livro "Bambu: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável", lançado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em maio de 2019. Na publicação, estão dois capítulos resultado das pesquisas do professor Gilberto Carbonari.

Laboratório de Estruturas: "aqui é onde tudo acontece" 

Luis Gustavo Patrocino é técnico do Laboratório de Estruturas e acompanha todos os testes e ensaios experimentais realizados pelos estudantes desde o início das pesquisas com bambu, em 2008. Ele acompanhou, por exemplo, as pesquisas dos estudantes Rodrigo Teodoro do Nascimento, Gustavo Proni e Felipe Augusto Pavaretto Corbacho, e de tanto outros que se empenharam nos estudos com a planta.

Para teste em lajes e vigas mistas bambu-concreto, Luis explica que são realizados da seguinte maneira: depois de tratar o vegetal, ele é cortado na metade (meia cana). São efetuados furos espaçados onde são colocados pequenos conectores também de bambu, que fazem a ligação com o concreto. Depois, preenchem a meia cana com concreto, montam uma base de mesma altura, fazem a forma, colocam isopor e a malha também de bambu. Por fim, é realizada a concretagem dos elementos estruturais. O resultado é como o da foto abaixo.

Realizada esta etapa, são efetuados os testes de resistência, para determinar quanto de carga suporta até romper. "O laboratório é um lugar incrível. Aqui que as coisas podem dar errado. São erros previstos e um espaço de teste", afirma Luis, que se diz grato por fazer parte disso na Universidade.

Ele lembra ainda que, não só no Laboratório, mas na instituição, que as pesquisas são fomentadas, por existem pessoas exclusivamente pensando nisso. Confira o áudio abaixo.