Quilombolas organizam-se e formalizam denúncias ao MP 02/09/2008 - 11:26

A organização das comunidades remanescentes dos antigos quilombos – os quilombolas - é um dos mais importantes resultados verificados em audiência pública realizada na última sexta-feira (29), em Adrianópolis. “O evento foi muito interessante porque reuniu representantes de todas as comunidades. Isto demonstra uma percepção da parte deles a respeito da necessidade de se organizar em cada comunidade por meio de associações, e dá articulação entre essas representações para enfrentar questões comuns a todas elas”, afirmou o professor Jairo Pacheco, diretor geral da Secretaria de Estado da Ciência Tecnologia e Ensino Superior (Seti).
Dentre as denúncias formalizadas pelas comunidades ao Ministério Público estão conflitos com fazendeiros da região, envolvendo a questão da regularização fundiária. Também foram enfatizadas questões sociais que conferem à região IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) insuficiente. As principais apontam a ausência de estradas, a precariedade das poucas vias de acesso existentes e a falta de transporte escolar. Além de dificultar muito o acesso das crianças às escolas, distantes entre 20 e 40 quilômetros das comunidades, a falta de estradas resulta em precariedade no atendimento médico e dificuldade para escoar a produção agrícola.
Com base nas denúncias, o promotor público Marcos Fowler dará início ao processo de investigação. Cópias do processo serão encaminhadas a todas as instituições que compareceram à audiência pública.
A audiência pública foi presidida pela Associação da Comunidade Remanescente de Quilombos e reuniu membros de 13 comunidades em um galpão da comunidade João Surá, em Adrianópolis. Participaram representantes das comunidades Varzeão, localizada no município de Doutor Ulysses; João Surá, Praia do Peixe, Porto Velho, Córrego das Moças, Sete Barras, São João, Córrego do Franco, Estreitinho, Bairro dos Pimentas e Três Canais, situadas no município de Adrianópolis; Areia Branca, que fica em Bocaiúva do Sul; e ainda da comunidade de Praia Grande, que fica no município paulista de Iporanga.
Extensão universitária contribui
“O resultado final da audiência pública foi muito bom. Foram discutidas todas as ações de organização previstas projeto ‘Fortalecimento das alternativas para a construção da economia solidária no Quilombo João Surá’, do Programa Universidade Sem Fronteiras. Foi o início de uma idéia para elencar as ações na vida deles”, afirmou o agrônomo Lourival Fidelis, um dos recém-formados da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que atuam em Adrianópolis, sob a coordenação do professor Eduardo Hader.
Outro projeto está em andamento na região. Sob a coordenação da professora Silvana Hoeller, do campus litoral da UFPR, trata sobre “Assistência técnica e extensão rural e capacitação em agroecologia na comunidade Quilombola do Varzeão – Dr. Ulysses”. Além de Fidélis, também participam dos projetos desenvolvidos na região do Vale do Ribeira a agrônoma Aline Filipe, também recém-formada pela UFPR, os estudantes de agronomia Guilherme Scaramella e Daniel Araújo e a estudante de direito Giovanna Bonilha.
“O Universidade Sem Fronteiras nos dá a possibilidade de participar ativamente junto às comunidades”, disse Fidelis, que vai prosseguir seus estudos numa pós-graduação. “O trabalho oferece subsídios para chegar ao mestrado com conhecimento, propicia a realização de pesquisas. Para as comunidades beneficiadas, é muito bom, pois nem uma grande propriedade rural conta com o trabalho de dois agrônomos”, explicou.
As comunidades quilombolas do Vale do Ribeira contam também com a atuação do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, da Secretaria de Estado da Educação (SEED), Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITCG), Sanepar, UFPR, Instituto Agroecológico, Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (SEAB), Centro de Formação Urbano-Rural Irmã Araújo (Cefuria), Comissão Pastoral da Terrra (CPT), Emater e Prefeitura de Adrianópolis. Representantes de todas essas instituições também estiveram presentes na audiência pública.
     Violência
    A audiência pública já vinha sendo construída desde o início deste ano. No entanto, uma grave situação de violência acelerou a realização da audiência. No dia 18 de julho, foram queimadas três casas da comunidade do Varzeão, em Doutor Ulysses, supostamente por seguranças de empresas madeireiras da região.
Logo após a ocorrência, no dia 21, durante visita ao local, o governador Roberto Requião determinou que a questão fosse tratada de forma cuidadosa, com o acompanhamento dos advogados do Estado, e informou na ocasião que os representantes da comunidade seriam recebidos no dia 22, pelo Ministério Público. “Temos duas questões aqui: uma possessória, que tem de ser resolvida, e eu vou colocar os advogados do Estado acompanhando isso; e a segunda, que é a tentativa de homicídio, quando à noite atearam fogo em uma casa com os moradores dentro. Essas questões vão ser enfrentadas pelo Estado”, afirmou Requião.
Conforme determinou o governador, o policiamento preventivo foi implantado de forma permanente na região. Além disso, técnicos do Incra estão atuando nas comunidades de Doutor Ulysses para realizar o levantamento antropológico.
O decreto federal 4.887, publicado em 2003, regulamentou o procedimento de identificação e titulação de áreas quilombolas. A Constituição Federal assegura o direito à preservação da cultura e identidade dos quilombolas e o direito à titulação das terras em que vivem. O Brasil tem mais de 3,5 mil comunidades quilombolas, formadas por descendentes de escravos e de remanescentes de quilombos que lutam pelo título das terras em que vivem.