Projeto sobre kit didático para escolas públicas é apresentado em reunião do CCT-PR 13/12/2010 - 11:50

Experiência bem sucedida na área de educação científica pela Fecilcam é um dos destaques do relatório do Conselho de Ciência e Tecnologia do Paraná
Célio Yano (Especial para a Revista Sem Fronteiras – Edição 2010)

Um pequeno grupo de pessoas em uma caminhonete adentra a mais distante das matas e percorre rios e lagos, enfiando o pé na lama e revirando pedras de todos os tamanhos. Pode não parecer à primeira vista, mas são cientistas, que se aventuram em nome da ciência e da educação. A jornada foi realizada entre 2008 e 2009, com o objetivo de coletar e catalogar espécies de esponjas de água doce e diatomáceas presentes na bacia hidrográfica paranaense. A partir daí, a equipe da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (Fecilcam), coordenada pelo doutor em Ciências Ambientais Mauro Parolin, passou a desenvolver kits didáticos, compostos por livro e lâminas de microscopia, para serem distribuídos a escolas públicas do Paraná.
A partir de 2010, o projeto deve auxiliar escolas de ensino médio e fundamental da rede pública estadual no ensino de Ciências e disciplinas associadas ao meio ambiente. Ainda que grande parte das escolas já disponha de laboratórios e microscópios, muitas vezes essa estrutura acaba ociosa por falta de material de estudo. Ao todo, foram produzidos 500 conjuntos de 25 lâminas de microscopia, que contêm esqueletos de esponjas e de diatomáceas. “Ambos são bioindicadores da qualidade das águas”, explica Parolin, justificando a escolha do material. “De acordo com a ocorrência ou não das esponjas, por exemplo, é possível dizer se houve alterações ambientais significativas em determinados rios”, completa.
A ideia inicial é distribuir os kits gratuitamente para as escolas dos Núcleos Regionais de Educação de Campo Mourão e de Maringá, que englobam, respectivamente, 64 e 97 instituições. O que sobrar será encaminhado para outras regiões. Antes de entregar o material, ressalta o coordenador do projeto, os professores passarão por um minicurso para entender como as lâminas podem ser utilizadas no trabalho de ensino com os alunos. Segundo Parolin, além dos colégios estaduais, estuda-se incluir escolas municipais e universidades na distribuição do material.

As espécies e os kits
Esponja é o nome mais conhecido dos animais do filo Porifera que ocorrem em água doce ou salgada e se alimentam por meio de filtração. “São semelhantes a corais, mas têm esqueleto de sílica”, explica Parolin. Já as diatomáceas são protozoários unicelulares que, em rios, mares e até no solo, podem formar cadeias ou colônias simples. Para a produção dos kits didáticos, foram coletadas cinco espécies de poríferos, todas em território paranaense. “No caso das diatomáceas, por serem microscópicas e de ocorrência maior, não temos como dividir por espécie. Cada lâmina pode ter 50 táxons diferentes.”
Desde que o projeto teve início, em junho de 2008, os pesquisadores envolvidos simplesmente não tiveram descanso – afinal, foi preciso fornecer elementos para a produção de todos os kits.
Ao todo, 14 pessoas participaram das diversas etapas do trabalho, mais de 40 mil quilômetros de rodovias foram percorridos, cerca de 50 toneladas de rochas reviradas e aproximadamente 20 mil lâminas de microscopia foram produzidas – boa parte descartada por não passar nos critérios de qualidade para os fins didáticos. O levantamento resultou também na descoberta de uma espécie de esponja ainda não catalogada, que, em breve, deve ser publicada internacionalmente. “O projeto dos kits didáticos foi apenas o pano de fundo para uma grande investigação. Os investimentos nos levaram à busca por esponjas, que, por sua vez, desencadeou a descoberta de novas espécies”, define Parolin.

Livro para os professores
Para realizar o trabalho, a Fecilcam recebeu um total de R$ 256,9 mil do Fundo Paraná, por meio da SETI. O resultado será avaliado por alunos e professores. Além dos kits didáticos, a expedição também renderá um livro produzido para os professores da rede estadual. A obra “Geologia, rios, esponjas e diatomáceas: uma visão multidisciplinar do ambiente no Paraná”, que está em fase de pós-produção, terá quatro capítulos que abordarão novas descrições da formação geológica e hidrográfica do território paranaense, além da relação das esponjas e das diatomáceas com a geologia e a hidrografia do Estado. O material ainda trará dicas de trabalhos que professores podem desenvolver com alunos no âmbito do tema.
O livro deve trazer as descobertas e cada episódio vivido pelos pesquisadores em nome da educação científica, como a descida pelo rio Nhundiaquara (Morretes) em boias de câmera de pneu (o chamado boia-cross). Para a coleta de diatomáceas, os pesquisadores se concentraram na região do rio Ivaí, no Noroeste do Paraná. No caso dos poríferos, o trabalho abrangeu praticamente todo o Estado.
Como mostraram as pesquisas, o rio Piquiri, que nasce na região centro-sul paranaense e deságua no rio Paraná, no oeste, é um dos que registram maior biodiversidade de esponjas na região Sul do Brasil. “Encontramos cinco espécies nas nascentes do rio, o que indica que, neste momento, as águas são de ótima qualidade”, explica o pesquisador. Entre as espécies observadas o professor destaca a Sterrastrolepis brasiliensis, que, ameaçada de extinção, tem na bacia do rio Piquiri sua única área de ocorrência em todo o Brasil.
Do rio dos Patos, na região dos Campos Gerais, por outro lado, a equipe percorreu cerca de quatro quilômetros, mas foi encontrada uma única espécie de esponja, em pouco mais de dez metros quadrados de toda a extensão do córrego. Lá, a surpresa para os cientistas ficou no fato de o porífero descoberto ser a Oncosclera jewelli, espécie de ocorrência extremamente restrita, relatada até então apenas no Rio Grande do Sul. Segundo Parolin, a existência de um único tipo de esponja não indica necessariamente a deterioração do rio. “O fato de aquela espécie persistir significa que a água ainda tem qualidade suficiente para a manutenção específica dessa biodiversidade”, diz.